A message send across the great divine
Querido amigo, resolvi mandar-te esta carta aberta sem endereço através do universo. Não sei em qual deles é que resides agora, mas espero que isto resulte através da mente coletiva de quem a vai ler. A ideia é fazer com que através da leitura coletiva da mesma, esta aporte a ti a energia necessária para receberes esta mensagem elucidativa do momento em que vivemos.
Caro Fernando, a obsessão por encher o vazio tem sido imparável.
O Algarve aos poucos foi-se enchendo de betão e cimento armado, esta é a verdade, não um tópico. É um facto comprovável. E o céu do Algarve encheu-se nas últimas duas décadas de aviões e mais aviões propulsionados pelo low cost travelling. E de veículos e mais veículos. E de gente e mais gente. Tu sabias disso e nós todos também.
Mas não foi só no algarve, que isso sucedeu. O paradigma de encher espaços até à sua saturação transbordante foi global.
Para isso existe a bolsa de mercados, ou seja, os templos da doutrina de hoje. E por isso existem também os tabernáculos, quer dizer, os bancos, onde guardam as hóstias sagradas do grande pecado capital cada vez mais cheios e nós a ficarmos mais vazios por dentro e carregados por fora.
E é comprar e comprar e vender e comprar, a intenção é fazer
transbordar o copo.
E aquele que não consegue encher continua a ser
visto pela sociedade ilusória que criamos como um desgraçado pobre de alma sem
eira nem beira que vagueia por entre as autoestradas de um novo começo de século,
século este que já nasceu cansado cheio de aborrecidas propostas de entretimento.
Não mudou nada desde que partiste.
E por isso seguimos enchendo tudo e mais alguma coisa. Tudo. Até mesmo
o tempo e a sua métrica, para o podermos racionalizar calculando
meticulosamente as possibilidades de aproveitamento de cada segundo sem pausa.
E por isso fazemos com que o impossível se torne possível, para que cada segundo esteja cheio e apinhado de qualquer coisa de forma a não haver minutos ou segundos de possíveis vazios.
Agora toca a trabalhar, depois a saltar ou correr
despropositadamente desculpa fica melhor se for desportivamente, mais tarde
jogamos ao Tetris ou ao Póquer, ou a qualquer coisa que nos preencha no tempo.
Seguidamente teremos que visualizar o telefilme quotidiano que passa nesta
caixa magica que inventamos para nos doutrinar, mais tarde convém reunirmos em
tertúlia competitiva com familiares, amigos, inimigos ou distantes amizades,
algumas, porém fictícias. Na continuação do mesmo cabe-nos agora enchermo-nos
com um dilúvio sem fim de notícias que transborda através do monitor.
Entretanto, prolongamos de forma artificial o namoro durante
horas e saímos apresados porque vamos atrasados para não perder a aula de
ginásio das 18:00, fortalecer os músculos e os ossos, é necessário após largas
horas de ausência física, enfiados num mundo virtual, realidade essa que se
pratica sentado. E logo a seguir virá o outro e o outro assunto e logo mais
tarde o outro que não passa do outro logo a seguir. O eterno continuar do
mesmo…
O método mais básico está e sempre estará no imprescindível
imperante de não dar espaço ao vazio. Nem ao vazio, nem ao silêncio.
Então bem de manhã levamos a mão ao telemóvel tagarela ou
rodamos o botão da rádio para que te fale e rodeie-te em espiral no seu ritmo
estridente. Praticamos então o blá lá, lá e não paráramos de falar porque o
movimento histérico radica também a negação do estaticismo do vazio e agora
podemos falar imenso sem pagar. O pagamento será feito mais tarde de modo
indireto à mesma corporação porque essa é praticamente dona de tudo desde a
companhia de telefones até ao hospital que tratou do neoplasma no cérebro
causado pelas longas horas de exposição de radiações eletromagnéticas
transmitidas pelo telefone celular, terminando por fim em enterro. Tudo é dirigido pela
mesma corporação dizem que são cinco, mas eu só vejo um, a dar a cara. Imagina
que até o sol o mesmo quer tapar enchendo a atmosfera cheia de químicos. Já não
bastava o chão agora chegou a vez do céu.
E assim vai e assim vamos. Com o coração bombeando
precipitado continuando penosamente a histeria desbordante coletiva do século
XXI.
Continuando com o ruído, com a precipitação. Com a
acumulação e mais acumulação de objetos obsoletos e desnecessários, de
currículo de méritos, avaliáveis, de história e protagonismos mais ou menos
relevantes, por aqui estamos neste Coquetail não sei se para bem ou para mal,
mas aqui estamos, quase já a abarrotar, continuamos e saturamos a mente
enchendo-a de conceitos e mais conceitos, que sabemos, mas não aplicamos na
prática. Poderíamos salvar o mundo com um só pensamento, mas o pensamento indo
e vivendo, retorcendo e retorcendo-se, angustiando, assustando, vai amargando o
futuro ilusionista de programação incerta de meta ou concretização.
E assim é. Acumulamos e acumulamos.
Mas, entretanto, já começamos a perceber o erro da má rota.
Começamos a perceber que talvez é no silêncio que vai haver o retorno inscrito
na placidez da casa e de sua calma. Precisamente no silêncio, no parar, no
branco límpido do vazio. Na vacuidade que define a essência do nosso existir e
a própria existência. Incluso a intergaláctica.
Agora notemos que no vento dos dois hemisférios o Oeste
transformou-se no Este em que existimos e que essa realidade é intrinsecamente
vazia. Somente vazia. Um vazio gigantesco que não somente reina entre estrelas
e planetas como também entre núcleos e respetivos eletrões.
É tão grande o vazio compreendido no espaço do átomo e tanta
a vibração ou energia pura entre o próprio núcleo e os eletrões que o cercam
que podemos até nos perguntar onde está o mesmo e se é a isso que chamamos de
matéria, o protagonista palpável do positivismo realista.
Portanto, quando enchemos, de que enchemos o que enchemos se
cada objeto não é mais que nada? Um nada fantasmagórico, um vazio cheio de
nada.
Convinha retornar. Retornar sim retornar ao princípio.
Voltar a conquistar o início.
O início de voltar a viver calmamente, tranquilo nas ondas
suaves, deste mar de espelho, de paz, de ausências incluso do eu mesmo. No
início de um mundo que é tão velho e tão jovem como a eternidade insondável do
existir elementar, apertado vazio e, ao mesmo tempo amplo jogando e
convertendo-se em energia, disfarçando-se com as máscaras da matéria, essa
matéria enganosa que nos rouba o encanto do sonho.
E é no vazio que está todo o encanto. Incluso o da
possibilidade de preencher com paz e silencio a senda até ao imencionável.
Desde aqui até ao nosso reencontro mando um abraço do teu
saudoso Alexandre.
Obrigado por este texto de critica criativa! Claramente, a vitalidade do Fernando deixou saudades, o seu jeito delicado de pegar na luz do Algarve e fazer dela algo grande, lindo e coletivo. Construiremos em sua homenagem pontes de conhecimentos, de memorias vivas e de gestos intemporais!
ResponderEliminarDe ponte em ponte, de apeadeiro em apeadeiro, construiremos as bonitas cidades de sombra e luz.
EliminarAs grandes arquiteturas filosóficas, não existem, sem os vários intervenientes colaboradores cuja estatura faça jus à obra que apoiam.
Grande Mestra em breve faremos-te embarcar na viajem para alicerçarmos o teu pensamento na ação.
Vivre la renaissance de la chaux